Música foi importante em comerciais antigos
Gostoso para chuchu chuá chuá uuuu…Lavar a cabeleira com ****.
Hoje é sexta-feira, dia de cerveja, tô de saco cheio, tô pra lá do meio da minha cabeça [***], [***] [***] !!!!
Consegue completar os asteriscos acima (“****”) com o nome de uma marca? Bom, é por essas e outras que se pode dizer que quase nenhuma campanha audiovisual publicitária existiria sem música. E não é à toa: estudos indicam que anúncios publicitários com alguma forma de música possuem melhor desempenho em quatro tipos de métrica diferentes – criatividade, empatia, poder informativo e poder emocional [1]. Se você lembra da música, você também lembra da marca e essa assimilação é justamente o que quer o anunciante.
Os comerciais mudaram. Agora precisam de influenciador. E influenciador cobra muito bem...
Embora ainda existam comerciais em canais tradicionais como a TV aberta e fechada, as formas e locais de propaganda audiovisual vem se alterando constantemente porque os consumidores mudaram de lugar. Se antes a audiência estava majoritariamente nos canais das tradicionais TV aberta ou mesmo fechada, hoje não há dúvidas de que boa parte do tráfego de pessoas foi direcionado para plataformas de streaming, redes sociais e até mesmo para o novíssimo metaverso. Fato que a propaganda é feita onde o povo está e marcas visando aumentar suas vendas vem investindo pesadamente nesses novos meios.
Essa mudança drástica e rápida no mercado publicitário fica ainda mais evidente quando se busca atingir o público adolescente e jovem. Como a identificação e interação desses se dá, cada vez mais, com figuras que expõem digital e diariamente o que fazem e pensam, ninguém melhor do que estes influenciadores para comunicar os valores que uma marca pretende mostrar ao mundo e, mais importante, gerar vendas. Afinal, na era do Marketing 5.0, os produtos e serviços vendem mais – especialmente para gerações Z (millenials) e Y – se forem indicados por pessoas com as quais haja uma identificação por quem vai comprar.
Mas, a música continua muito importante. Mesmo que o comercial não aconteça nas mídias não interativas
Novos personagens, novos canais, conteúdos, novas formas de fazer propaganda, isso está posto. Entretanto, essas novidades não diminuem a importância da utilização de música como uma peça-chave no marketing. Afinal, de nada adiantaria a oferta dos serviços dos influenciadores e suas agências, se ao criarem as campanhas não pudessem utilizar uma trilha sonora adequada. Mesmo que ao invés de embalar crianças fofinhas tomando banho, passem agora a ser coreografadas em vídeos curtos de um app chinês.
“…Ok! Os comerciais de hoje são feitos de vídeos rápidos por influenciadores e música. Mas ainda não entendi qual o problema…
Problema: para usar música são necessárias as devidas autorizações e agências e influencers não vem buscando-nas
O negócio é tão bom que os criadores de conteúdo estão rindo à toa. Mas, o Falamansa não, rs. E aqui reside a questão central desse texto, porque a maioria dos influencers e marcas (mesmo os mais bem pagos e as maiores), quando da criação de seus anúncios, não vêm buscando as devidas autorizações para utilizarem conteúdo musical de terceiros, quando deveriam. Se para usufruir de quase tudo que tem valor numa economia de mercado se paga, por que alguém pensaria que para utilizar uma música seria diferente?
Ora, a autorização para disponibilização da imagem e voz do influenciador está para o preço que se cobra por ela, bem como está a utilização de uma música como ativo de propriedade intelectual protegido por direitos. Inclusive e especialmente o direito que um titular de “direito autoral” tem de receber pela respectiva concessão de licença de uso de determinado conteúdo musical quando incluído em produção audiovisual, o que se denomina comumente de sincronização.
“Mas, como assim? Por que tem que ter autorização?”
Além de ser justo, porque a lei manda 3 vezes [2]! O uso de música em anúncios publicitários veiculados em redes sociais envolve três tipos de direitos. Logo, depende também de três tipos de autorização, sendo elas:
1. a autorização para o exercício do direito de reprodução (artigo 29, inciso I, da Lei De Direitos Autorais [3]);
2. a autorização para o exercício do direito de execução pública (artigo 68, caput e parágrafos, da Lei de Direitos Autorais [4]); e
3. a autorização para o exercício do direito de sincronização (artigo 90 e 93, inciso V da Lei de Direitos Autorais).
Você deve estar se perguntando: “Mas, pera lá! Como assim preciso de autorizações se a música é uma só e o uso também, gente”?
Justamente, a emissão sonora de determinado conteúdo musical vinculado a uma campanha publicitária é única, mas estão aderidos aí três tipos de uso da música – as já citadas reprodução, a sincronização e a execução pública. Enquanto a reprodução é a criação uma cópia digital daquela música para ser incluída nos reels/post/stories (ou outro conteúdo); a execução pública é a propagação da música em um ambiente de frequência virtual coletiva – a plataforma; e a sincronização é a adesão da música ao conteúdo de vídeo.
A autorização para exercício do direito de execução pública da composição [5] é obtida pela plataforma de rede social junto ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). O ECAD, por sua vez, recebe valores em troca dessa autorização e, após sua mordida, repassa valores às sociedades de gestão coletiva que, finalmente, pagam a parte de cada um dos titulares diretamente. O primeiro pagamento pelo Instagram ao ECAD ocorreu em março de 2020 [6] e o TikTok celebrou acordo em 2021 [7].
A autorização para o exercício do direito de reprodução e do direito de sincronização não publicitário das músicas é obtida pela plataforma junto às editoras (no que diz respeito à obra musical) e às gravadoras (no que diz respeito à gravação/fonograma).
A autorização para o exercício do direito de sincronização com caráter publicitário, por sua vez, não é obtido pela plataforma junto às editoras e às gravadoras, e deve ser feito diretamente pelo usuário (ou sua agência representante) junto a essas empresas. A necessidade de autorização específica para esse tipo de utilização existe para que os titulares da música tenham a oportunidade de, em troca de seu aceite, negociarem uma fatia do orçamento daquela campanha. E, claro, para que os titulares possam também exercer sua liberdade de associar ou não suas criações a produtos, serviços ou marcas.
Nada mais justo, concorda?
Portanto, se uma agência de publicidade ou o influenciador não obtém a devida autorização junto aos titulares de direitos autorais para o ato de sincronizar a música a uma marca e respectivo conteúdo publicitário, há indiscutível violação a tal direito dos titulares. Consequentemente, um sério risco de pedido de takedown da campanha, notificação e/ou ação judicial contra os infratores. A indenização patrimonial que se busca em um caso como esses se baseia, normalmente, nos lucros obtidos com a publicidade até então e/ou o alcance do veículo. Além de reparação de cunho moral aos artistas que tiveram seus direitos violados.
Conclusão e possíveis soluções
Para evitar maiores desdobramentos desta grave abstenção do devido pedido e obtenção de liberação de uso de música cada agente deve fazer sua parte. Se você representa uma rede social, marca, agência digital influencer ao criar conteúdo, busque a devida liberação para utilização de música. Você, titular de direitos autorais, corra atrás de seus direitos. Você representante de rede social leve sempre a sério as violações de propriedade intelectual. O mercado precisa se conscientizar de que todas as partes desse próspero negócio são importantes e devem ser remuneradas!
Por fim, cabe então apresentar algumas medidas concretas para visando a solução do problema apresentado:
A profissionalização das novas empresas e profissionais envolvidos na criação dessas campanhas digitais [8];
O desenvolvimento de melhores processos e ferramentas pelos titulares interessados para acelerar a concessão de autorização;
O desenvolvimento de melhores processos e ferramentas pelas redes sociais que facilitem a identificação de uso não autorizado de músicas e a penalização dos infratores.
A divulgação deste tipo conhecimento para autores, compositores, intérpretes, editoras musicais e produtores fonográficos para que eles conheçam o problema e possam reivindicar seus direitos.
¹ vide estudo do Instituto Nielsen. I Segundo essa Emoção: O Poder Emotivo da Música na Publicidade. Disponível em: www.nielsen.com/pt/insights/2015/i-second-that-emotion-the-emotive-power-of-music-in-advertising/. Julho/2015.
² Lei No. 9.610/98:
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:
[…]
V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;
Art. 90. Tem o artista intérprete ou executante o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir:
[…]
V – qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções.
Art. 93. O produtor de fonogramas tem o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar-lhes ou proibir-lhes:
[…]
V – quaisquer outras modalidades de utilização, existentes ou que venham a ser inventadas.
³ BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.
₄ BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.
₅ Não sei se reparou, mas dissemos que os rendimentos de execução pública das COMPOSIÇÕES são pagos. Mas, não dos rendimentos de execução pública das GRAVAÇÕES/FONOGRAMAS. Pois é, as gravadoras, intérpretes e músicos – titulares de direitos conexos aos de autor sobre as gravações/fonogramas – não recebem remuneração pela execução pública quando é utilizado o sticker do Instagram ou a ferramenta similar do Tik Tok. Apesar disso, não vamos aprofundar agora nisso, porque isso não é de responsabilidade dos influencers ou marcas. O usuário parte da premissa que ao usar as funções de software tipo sticker para incluir música em posts, stories, reels, etc., significa que o conteúdo musical está liberado para qualquer uso que se pretenda. Isto é, assume-se que, a partir do uso de tal ferramenta, estão seguros e resguardando os direitos dos “donos” da música escolhida.
₆ União Brasileira de Compositores. Eu ganho algo se minha música toca no Instagram? Disponível em: https://www.ubc.org.br/publicacoes/noticia/16022/eu-ganho-algo-se-minha-musica-toca-no-instagram.
₇ Newsroom TikTok. TikTok e Ecad anunciam que fecharam contrato para pagamento de direitos autorais. Disponível em: https://newsroom.tiktok.com/pt-br/tiktok-e-ecad-anunciam-que-fecharam-contrato-para-pagamento-de-direitos-autorais.
₈ Como as práticas publicitárias mudaram muito rápido, novas empresas e profissionais surgiram que encantados com os possíveis rios de dinheiro das marcas anunciantes não vêm se atentando como deveriam para as necessárias formalidades do negócio.
Álvaro Costa
Advogado e Profissional atuante no mercado do entretenimento.

Clara Monteiro
Advogada do escritório Costa & Valle Advogados

Daniel Valle
Advogado e Sócio do Escritório Costa & Valle Advogados
