Direitos de Imagem de celebridades desportivas VS. Direitos Autorais dos tatuadores – (Sports Celebrities Image Rights Vs. Tattoo Artists Copyrights)

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Direitos Autorais – Tatuador – Direito de Imagem – Celebridade Desportiva – Conflito.
O presente artigo trata dos direitos autorais dos tatuadores quando em conflito com o direito de imagem de esportistas tatuados em situações naturalmente suscitadas pela peculiaridade do principal meio de fixação da tatuagem: o corpo humano.

Copyright – Tattoo – Image Rights – Sports Celebrity – Conflict.
This article deals with the Tattoo Artists Copyrights and its conflict with Sports Celebrities Image Rights in natural situations caused by the peculiarity of fixation mean peculiarity of the tattoos: the human body.

Introdução

É inegável a popularização da tatuagem em todo o mundo, seja qual for a profissão, idade, classe social e a finalidade buscada com a pintura permanente.

No entanto, fato é que esta tendência possui força homérica no mundo do esporte, em que cada vez mais os seus protagonistas são enxergados como verdadeiros artistas e seus corpos, além de “máquinas de alta performance”, papéis em branco prontos para serem rabiscados por pinturas significando homenagens, recordações, automotivação ou ainda que apenas caprichos estéticos.

Dado o exposto, o objetivo deste artigo é incitar a reflexão a respeito dos direitos autorais dos tatuadores quando em conflito com o direito de imagem de esportistas tatuados em situações naturalmente suscitadas pela peculiaridade do principal meio de fixação da tatuagem, qual seja, o corpo humano.

Para abordar tais conflitos, tratar-se-á da já adormecida discussão a respeito de obra artística fixada em suporte de “propriedade” de terceiro, sendo o foco desta, neste trabalho, não somente a titularidade dos direitos autorais sobre a obra artística, mas principalmente a viabilidade de se persegui-los no mundo desportivo.

Isso porque, não obstante seja uma questão já muito explorada em diversos foros, datas e contextos, ela ganha propósito novamente ao se terem diversas demandas jurídicas de tatuadores que buscam reparação pecuniária por utilizações não autorizadas de suas obras artísticas, colocando no polo passivo, inclusive, o próprio tatuado.

Portanto, não pretender-se-á neste trabalho esgotar o assunto e tampouco taxar alternativas às problemáticas. Na realidade, analisar-se-á aqui, à luz da legislação pátria, conflitos que têm sido apreciados e julgados pelas cortes americanas, deixando-se de lado, entretanto, a análise das utilizações de tatuagens como pinturas descoladas do corpo humano, pelo fato de acarretar em óbvia reprodução e distribuição da obra artística que, por ser protegida por direitos autorais, deve ser autorizada pelo titular dos mesmos senão enquadrada nas exceções do artigo 46 de Lei 9.610 de 1998.

I) Breve paralelo a recentes discussões/demandas judiciais acerca dos direitos do proprietário do suporte de fixação vs. direitos autorais sobre a obra artística.

A legislação pátria define como “obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro” . Neste sentido, não há dúvidas quanto à inclusão da tatuagem no conceito legal de “obra intelectual”, sendo desnecessária qualquer aprofundamento nesta zona.

Tampouco há dúvidas quanto à classificação do grafite como obra intelectual, notadamente pelo que se determinou em recentes e importantes manifestações judiciais no Brasil e Estados Unidos.

No Brasil, tal manifestação magistrada se deu em sede de processo originário do Tribunal de São Paulo, em meio à discussão, de nível nacional, tida entre juristas, artistas, políticos e urbanistas, sobre a polêmica política pública (Programa “Cidade Linda”) do então Prefeito da capital paulista, Marcelo Dória, na qual visava “limpar a cidade” através de diversas medidas, dentre as quais se destaca a pintura – em cor cinza – de muros de bens públicos contendo piches e grafites.

Além da ampla discussão ter abordado a diferença da originalidade dos piches e grafites, e a qualificação dos mesmos como obra artística, o programa de Dória desencadeou revolta de diversos setores, a qual se materializou em ação popular contra a remoção de pinturas, desenhos ou inscrições caligrafadas em locais públicos, o que, segundo a parte autora, causaria irreparáveis danos paisagísticos e culturais .

Na citada ação, o MM. Juiz Adriano Marcos Laroca, além de classificar a política como de “gosto duvidoso”, em sentença que concedeu “tutela antecipada para que os réus se abstenham imediatamente de removê-los sem prévia manifestação e diretrizes do CONPRESP, ou mesmo do Conselho Municipal de Política Cultural”, suscitou reflexão sobre quem possuiria a prerrogativa de remover o grafite:

Aliás, como dimensionar a efemeridade desta manifestação artística, sobretudo na nossa sociedade líquida (Zygmunt Bauman) e da era digital, na qual tende a predominar a liquidez das coisas e das relações humanas? O Estado poderia fazer isso? Ou seria apenas o artista responsável pelo grafite?

Nos Estados Unidos, cabe destacar recente decisão da corte americana, na qual o juiz Frederic Block, do distrito do Brooklyn, classificou o grafite como arte de “estatura reconhecida” e digna de proteção legal, determinando que a parte ré pagasse US$ 6,7 milhões a 21 dos grafiteiros que tinham mais de 45 obras pintadas nos muros de 5 Pointz – complexo fabril que, por muito tempo, foi palco de notórias exposições de grafites – como indenização pela destruição de suas criações. Baseou-se o magistrado em dispositivo da lei americana que protege obras de valor reconhecido, mesmo em casos em que elas tenham sido fixadas na propriedade de outras pessoas.

De tais decisões o que se deve notar para fins de enriquecer a reflexão aqui proposta é que os magistrados, ao analisarem a possibilidade do Estado remover os grafites – arte cuja permanência não é intrínseca a sua natureza e que, no caso da ação popular, foram feitas sem o consentimento do dono do suporte de fixação –, consideraram que a remoção, sem consentimento dos artistas, além de causarem dano ao patrimônio cultural, afrontaria os direitos autorais dos mesmos.

Em se tratando comparativamente das tatuagens, de outro lado, se tem que sua natureza, diferentemente do grafite, é permanente e, sobretudo, que há sim o consentimento dos “proprietários” – tatuados – dos meios em que são expressados. De forma que, pois, seguindo a lógica da análise acima, seria bem razoável que se considerasse que a decisão sobre a sua remoção caberia exclusivamente ao tatuador, titular de direitos autorais, e não ao dono do suporte, “o tatuado”.

No entanto, tal conclusão seria leviana. Muito embora haja a autorização do tatuado e a natureza permanente da tatuagem, o direito do tatuador de remoção ou de integralidade da obra entraria em choque com os direitos fundamentais e personalíssimos do “proprietário” do meio de fixação. Da mesma forma, outras espécies de direitos autorais do criador se chocam quando a obra artística de que se trata é a tatuagem, conforme será visto a seguir.

II) Análise de casos: O conflito entre direitos do tatuador e os do tatuado.

Conforme introduzido no presente trabalho, a popularização das tatuagens se deu de forma universal. No entanto, este movimento teve força extraordinária quando observados os esportistas dos dias atuais. Nos corpos de jogadores de futebol a nadadores, o festival de pinturas corporais é rico, contendo desenhos das mais variadas formas, tamanhos, cores e porquês.
No entanto, certamente não se imaginou que um ato de pura de liberdade – de se fazer o que quer com o próprio corpo – poderia, na verdade, incitar posteriores dúvidas quanto à criação ou não de limitações à autonomia da exposição de seus corpos em suas “versões 2.0.”.

Na realidade, embora seja muito comum que se pense que o pagamento de dinheiro ao tatuador, como contraprestação pelo seu serviço artístico, implique em aquisição dos direitos intelectuais sobre a tatuagem, esta não tem se mostrado como sendo a realidade dos fatos nos Estados Unidos e nem é condizente com o que determina a nossa Lei.

Primeiramente, sob o prisma de nosso ordenamento jurídico, a Lei 9.610/1998, em seu artigo 51, determina que “a cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa”.

Deste modo, a simples contraprestação pecuniária pelo serviço artístico não tem condão de, por si só, ensejar cessão de direitos autorais em favor do contratante dos serviços de tatuagem. Mas, tão somente remunerá-lo pelo labor empreendido, consistente no emprego da técnica artística para, na pele do contratante, fixar sua obra artística.

Dito isso, cabe se passar à análise das batalhas judiciais travadas que ilustram o que se tem discutido quando o assunto é o conflito de interesses do tatuador e dos esportistas tatuados.

O primeiro a ser analisado será o processo judicial ajuizado pelo estúdio de tatuagem Solid Oak Sketches (“Solid Oak”) contra a empresa Take Two Interactive Software (“Take Two”), criadora de jogos de basquete como o NBAK 2K.

Em suma, a parte autora alega que os esportistas deveriam pedir autorização à Solid Oak, titular de direitos autorais sobre as tatuagens feitas em jogadores de basquete, toda vez que os mesmos aparecessem em público, em filmes, fotografias e, inclusive, em novas obras em que suas imagens fossem retratadas de forma realística (com as tatuagens), de forma que a não observância desta etapa acarretaria em violação aos direitos autorais da Solid Oak e consequente prejuízo pecuniário à mesma.

A empresa Take Two, de outro lado, alega que a utilização da tatuagem seria de minimis e dentro dos limites do “fair use” instituído pelo Copyright Act. Para tanto, destaca os fatores que fundamentariam essa assertiva:

(1) the purpose and character of the use, including whether such use is of a commercial nature or is for nonprofit educational purposes; (2) the nature of the copyrighted work; (3) the amount and substantiality of the portion used in relation to the copyrighted work as a whole; and (4) the effect of the use upon the potential market for or value of the copyrighted work.

Esmiuçando cada um deles, afirma em resumo que (1) a utilização das tatuagens pela Take Two se deu com finalidade absolutamente distinta do fim original quando da criação das mesmas pelos funcionários da Solid Oak, que seria de “self expression”, já que a Take Two, diferentemente, apenas pretendeu retratar de forma fidedigna os esportistas; (2) que a aparição em público do esportista com a tatuagem é inevitável em qualquer lugar que o tatuado circule e se exponha, bem como onde sua imagem seja capturada ou reproduzida; (3) as tatuagens, segundo a mesma, aparecem raramente no jogo NBA 2K, já que apenas são mostradas nos esportistas quando este é escolhido dentre 400 outros e que, quando, nas raras situações em que são mostradas, é com baixa nitidez, em meio a um universo de elementos do jogo e confundida pela movimentação dos jogadores, de modo que seria insustentável que as receitas da Take Two proviessem do uso das tatuagens no jogo ou que estas tivessem qualquer papel relevante para a venda do jogo NBA 2K; e (4) que a utilização das tatuagens pela Take Two de maneira nenhuma prejudicaria a Solid Oak, considerando-se que o mercado que esta se insere não concorre com o que aquela se introduz.

Como se pode notar, no entendimento da Solid Oak, a partir do momento em que os esportistas decidiram cobrir suas epidermes com pinturas permanentes criadas pela mesma, eles passariam a ter seu direito de imagem verdadeiramente compartilhado com a Solid Oak, uma vez que a obra artística passaria a ser componente inseparável da imagem do esportista.

Cumpre-se destacar que, em grau mais crítico, se levado a cabo o alegado pela Solid Oak, teríamos que, em sendo o esportista tatuado por esta, ele ficaria restrito em sua liberdade de ir e vir caso não obtivesse a autorização do titular de direitos autorais sobre a pintura permanente para a exposição pública que pretende. Será que seria razoável este entendimento?

Em processo de matéria análoga, de data anterior ao acima citado, o tatuador Christopher Escobedo processou a THQ Inc. por esta ter distribuído cópia não autorizada no jogo “UFC Undisputed 2010” de sua tatuagem “Lion Tattoo”, eternizada na pele do lutador profissional Carlos Condit.

Isso porque, segundo a parte autora, nunca teria havido qualquer cessão ou transferência de direitos sobre a tatuagem a quaisquer terceiros, incluindo-se para o tatuado, que apenas obteve a licença de mostrar a tatuagem em seu corpo, inclusive em combates e outros eventos do UFC. E que, portanto, não teria Escobedo autorizado que Condit ou qualquer outra parte fizesse uma cópia da tatuagem e nem uma representação gráfica da mesma.

Portanto, na mesma linha da Solid Oak e baseado nas premissas acima descritas, alegou Christopher Escobedo que a cópia feita da “Lion Tattoo” seria uma reprodução não autorizada desta e, portanto, ensejaria reparação pecuniária pelos danos causados pela violação de direitos autorais, bem como o recebimento de todos os ganhos e vantagens derivadas da conduta lesiva da THQ Inc.
Pelo exposto, se tem que o direito de arena para os eventos do UFC teria sido licenciado pelo tatuador ao tatuado. No entanto, demais utilizações da “Lion Tattoo”, como a reprodução da mesma, não. De forma que teriam de ser previamente autorizadas pelo criador.

Similar também foi a ação de Stephen Allen, tatuador, contra a Eletronic Arts e Ricky Williams (atacante da NFL):

o tatuador Stephen Allen processou a Electronic Arts e o atacante da NFL Ricky Williams por tatuagens feitas por ele e adaptadas e exibidas nos games NFL Street, Madden NFL 10 e Madden NFL 11. As partes entraram em acordo após quatro meses, porém o processo assustou a Associação de jogadores da NFL a ponto de que esta passasse a aconselhar que seus jogadores obtivessem permissões de seus tatuadores, o que Colin Kaepernick fez antes de aparecer em Madden.

Por todo o exposto, se tem que em havendo decisão favorável aos titulares de direitos autorais em quaisquer um destes processos acarretará em aumento de processos e pleitos como estes, sendo necessário desde logo se discutir os argumentos e contra-argumentos trazidos pelas partes nos mesmos.

III) Direito de Imagem do Esportista Tatuado vs. Direitos Autorais Patrimoniais do Tatuador

O direito de imagem está determinado pelo Artigo 5º da Constituição Federal, que diz:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem; (..) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação; (…) XXVIII – são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas;

A legislação infraconstitucional, a exemplo do código Civil de 2002, em seu art. 20 também tutela o Direito à imagem, como inviolável, nos seguintes termos:

Salvo se autorizada, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.

O conceito de imagem por sua vez, nos dizeres de Walter Morais, citado por Felipe Legrazie Ezabella , consiste em:

toda expressão formal e sensível da personalidade, de forma que a ideia de imagem não se limita, pois, à representação visual da pessoa humana através da pintura, escultura, desenho, fotografia, figuração caricata ou decorativa, reprodução em manequins ou máscaras. Mas, também a imagem consiste na retratação de gestos e expressões dinâmicas da realidade.

Define ainda Carlos Alberto Bittar que:

Reveste (o direito de imagem) de todas as características comuns aos direitos da personalidade. Destaca-se no entanto, dos demais pelo aspecto da disponibilidade, que, com respeito a esse direito, assume dimensões de relevo em função da prática consagrada de uso de imagem humana em publicidade para efeito de divulgação de entidades, de produtos ou de serviços postos à disposição do público consumidor.

Portanto, o que se pode depreender dos processos judiciais analisados é que, através de computação gráfica, a imagem dos esportistas foi reproduzida por empresas de games em seus jogos virtuais para fins comerciais, sendo o cerne da questão a necessidade ou não da autorização do titular de direitos sobre a tatuagem na pele dos atletas para a referida utilização por tais companhias.

Neste quesito, cumpre destacar que a praxe para o futebol, por exemplo, é que se tenha um contrato de trabalho, regido pela CLT, no qual se estipule um salário para o jogador de futebol, e outro para regulamentar a licença, exclusiva ou não exclusiva, do uso da imagem do mesmo pelo clube.

Muitas das vezes esses contratos de licença de imagem sequer são firmados com os próprios jogadores pessoas físicas. Mas, sim com empresas cessionárias de seus direitos de imagem, que são responsáveis pela administração e proteção desta parte do patrimônio, a qual, diga-se de passagem, é de vultosa importância.

Isto posto, considerada a seriedade com que é protegida e negociada a imagem de um jogador de futebol, assim como esportistas de outras modalidades desportivas, seria necessário ter um setor de “clearance” de direitos dos tatuadores de seus “garotos/garotas de ouro”?

Parece razoável se pensar que esta seria sim a alternativa mais correta, i.e., se a imagem de uma celebridade desportiva é tão valiosa, por qual motivo seria aceitável que os responsáveis pelo zelo deste patrimônio escusassem-se de remunerar devidamente os titulares de direitos ou mesmo utilizassem-se da peculiaridade dos meios de fixação da obra artística em comento para não terem de remunerá-los devidamente? Seria o caso apenas, portanto, de se formalizar a cessão total de direitos patrimoniais e deixar claro, desde o princípio, que o tatuado poderá utilizar a sua imagem livremente, sem qualquer intervenção do artista, por tratar-se de obra por encomenda que integra à imagem do contratante.

Feito isso, se evitaria qualquer reclamação atinente aos direitos patrimoniais do tatuador, que, no momento do emprego da técnica, tornaria o tatuado o legítimo e incontestável titular dos direitos autorais patrimoniais sobre o mesmo, sub-rogando-lhe de toda e qualquer prerrogativa/faculdade que caberia ao criador como titular dos mesmos, como, por exemplo, de autorizar a reprodução, distribuição ou adaptação, sob qualquer forma, da obra.

Embora isso possa parecer um exagero ou estranho, é de se notar que os direitos autorais de todos os tipos de obras artísticas sempre passam por um período de adaptação inicial, no qual a população, em primeiro momento, é resistente para reconhecer a necessidade de remuneração pelo uso. No entanto, não pode essa barreira primitiva ser permanente e impeditiva para que se reconheça o que o nosso ordenamento jurídico pretendeu conferir aos detentores de direitos sobre obras intelectuais. Ao revés, deve-se enfrentá-las e conscientizar que os criadores e artistas devem sim ser remunerados, não podendo ser ignorados e injustiçados por preconceitos conservadores quanto ao que é ou não é arte ou ao que é ou não é trabalho digno de ser recompensado.

Embora fosse esse o ideal de se ocorrer, é inegável que, na prática, são raros os casos em que há qualquer tipo de formalização da propriedade intelectual dos desenhos feitos nos corpos dos contratantes.

Portanto, em não havendo a cessão, haveria então o compartilhamento do direito de imagem da celebridade com o tatuador?

 Teria o tatuador que assinar também licença sobre sua arte para que, por exemplo, clubes de futebol e demais licenciantes se vissem livres de processos judiciais que perseguissem reparação por utilização indevida de propriedade intelectual?

Veja-se o que diz o artigo 46 da lei 9.610 (de 1998), que se insere no Capítulo IV, que trata das limitações aos direitos autorais:

Não constitui ofensa aos direitos autorais: (…) VIII – a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da oba reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

Uma vez que o inciso destacado não define as hipóteses em que a reprodução de obras preexistentes não faz parte do “objetivo principal da obra nova”, pode ser interpretado como uma exceção aos direitos autorais do tatuador que limitaria, por exemplo, qualquer dos pleitos feitos contra os jogos de videogame.

IV) Direitos Autorais Morais do Tatuador

E como ficariam os direitos autorais morais do tatuador, uma vez que, havendo cessão ou não havendo, são inalienáveis? Por exemplo, o direito moral de paternidade e o de retirar a obra de circulação: seriam aplicáveis à tatuagem?

Conforme afirmado na ação da “Lion Tattoo” pelo demandante, a reprodução desta na pele do esportista nada mais seria do que uma cópia autorizada pelo tatuador, e que, portanto, este último poderia reproduzir em outras pessoas ou para outros fins.

Desta forma, ainda que o tatuador não fizesse ou autorizasse outras cópias da obra artística “Lion Tattoo”, por já tê-la fixado no corpo do esportista, ainda que não houvesse cessão de direitos ao mesmo, aquele ficaria impedido de exercer seu direito de tirar a obra de circulação, uma vez que caberia somente ao tatuado ponderar sobre a remoção da cópia fixada em seu corpo.

Isso acontece por haver vínculo em princípio factualmente indissolúvel do tatuado em relação a sua tatuagem e por caber exclusivamente à pessoa humana a decisão do que fazer com seu corpo, até certo limite. E este é um ponto que levanta mais uma reflexão: teria então o tatuado direitos morais sobre a tatuagem ou apenas direito à proteção de sua honra? Isto é: se ele for automaticamente associado à tatuagem fixada em seu corpo, teria ele o direito de impedir a ridicularização da tatuagem, mesmo que não se fizesse menção expressa a ele? Com base em qual argumento? Deve-se ter em mente que o direito moral de autor se justifica por vínculo entre autor e obra, seja espiritual, seja associativo.

Quanto ao direito de preservação da integralidade da obra, a sua perseguição pelo tatuador também é limitada. Isso porque caberia, mais uma vez, ao tatuado, de forma exclusiva, preservá-la na cópia que lhe foi fixada. Podendo, inclusive, o tatuado alterá-la, optar por não a restaurar ou cobri-la com outra tatuagem.

Conclusão

Por todo o abordado, conclui-se que não obstante a existência dos direitos patrimoniais e morais de autor do tatuador seja reconhecida pela legislação brasileira, a sua aplicabilidade é um tanto quanto peculiar e de difícil observância se comparados aos direitos autorais de outros tipos de obras artísticas.

Tal peculiaridade se dá principalmente pelo fato de o principal e usual meio de fixação (corpo humano) ser inalienável e originário de direitos fundamentais personalíssimos do “proprietário”, de modo que parte dos direitos da obra artística, ao se materializar no corpo humano, passa a ser minguada por direitos personalíssimos e fundamentais do tatuado.

De tal forma, quando a imagem da tatuagem é visualizada no corpo, há a relativização e inaplicabilidade de grande parte (senão totalidade) dos direitos de autor do tatuador, simplesmente por direitos fundamentais serem incomparavelmente superiores hierarquicamente do que direitos de autor, muito embora este também esteja no rol de direitos fundamentais do artigo 5º da CF.

Entende-se neste artigo, que o tema mereceria tratamento em separado da lei 9610/98, assim como mereciam tutela apartada os direitos autorais de escritor de livro dos direitos autorais de música. Mas, na conjuntura atual, o entendimento é de que o encontro de direitos deve ser analisado caso a caso, verificando-se se, o direito de autor acarretaria, de fato, em limitação de direito fundamental do tatuado ou se, simplesmente, é uma questão de tornar negócios, por exemplo, desportivos mais complexos, o que, nem de longe justificaria a limitação dos direitos autorais, que são fundamentais segundo nossa constituição.

Artigo originalmente publicado na Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual No. 160 em Junho de 2019.

BIBLIOGRAFIA
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 3 ed. Rio de janeiro: Editora Forense Universitária.
EZABELLA, Felipe Legraizie. Direito e Arena. Revista brasileira de Direito Desportivo. Revista brasileira de Direito Desportivo. São Paulo: OAB/SP, 2003. P.84

Daniel Valle

Advogado e Sócio do Escritório Costa & Valle Advogados

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